Publicado por: Guilherme Byrro Lopes | 26/07/2017

Taxa de Juros de 1 dígito. E daí?


“Essa semana o Comitê de Política Monetária (COPOM) se reúne mais uma vez para fazer história”.

Essa provavelmente é uma frase chata que você lerá nos jornais sem saber exatamente o que ela quer dizer. Pior do que isso, ela provavelmente não tem o significado que os autores gostariam que ela tivesse. Dito isso, preciso me explicar!

  • Parte 1 – Variáveis Nominais e Variáveis Reais

A taxa de juros básica na economia (a SELIC), é definida pelo Banco Central do Brasil (BCB) e é uma variável nominal. Em economia é muito comum distinguir variáveis nominais e variáveis reais. O que isso quer dizer? Tem algum exemplo?

A forma que o economista mais gosta de criar um exemplo é dizendo “suponha que…”. Então, suponha que num determinado ano, digamos 2017, você tenha R$1.000 para investir, que você sacou do FGTS. A taxa de juros nominal nessa economia fictícia é de 10%. Ao final de 1 ano de investimento, tudo mais constante, você teria acumulado R$1.100. Isso é um valor nominal. O que você tem de dinheiro cresceu 10% mas será que o seu poder de compra aumentou 10%?

No caso de uma economia de inflação 0%, a cesta de produtos de um consumidor padrão não tem aumento de preços (ainda que possa existir aumentos e quedas de preços entre produtos individuais, na média eles se compensaram). No caso de uma economia com inflação de 10%, todos os preços (na média) subiram na mesma proporção dos juros, no exemplo acima. Assim, a mesma quantidade de dinheiro (R$1.100) compra 10% mais caso não exista inflação mas compra exatamente a mesma coisa no caso de inflação igual a taxa de juros. No geral, espera-se que ocorra algo entre esses dois extremos.

A diferença entre a taxa de juros nominal (i de interest rate) e a taxa de juros real (r, de real interest rate) é que a taxa real tem esse ajuste pela variação no nível de preços das cestas de produtos na economia, ou seja, a inflação ( \pi). No Brasil é o Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA. Em economês você vai ler algo do tipo:

r=i- \pi

Assim, a taxa de juros que de fato vale ser observada, a taxa que importa, a taxa que é considerada para tomada de decisões é a taxa de juros REAL e não a NOMINAL. Esse é um ponto relevante. A Selic é apenas o i.

  • Parte 2 – Expectativas e Realidade (Ex-Ante e Ex-Post)

A taxa de juros hoje é definida principalmente olhando para o futuro e não para o passado. O que isso quer dizer? Isso significa que o BCB não está olhando qual é a inflação do ano passado nem a inflação de hoje. Qualquer mudança de política monetária tem como objetivo a mudança de comportamento dos agentes hoje com base no que provavelmente iria acontecer. A mudança da SELIC no mês de julho não afeta em nada os preços correntes no mês de julho. Mas a mudança da SELIC no mês de julho afeta sim os níveis de preços de agosto, setembro, outubro, etc. No geral, o BCB está olhando a expectativa de inflação lá na frente. Se a inflação tem uma tendência de aceleração isso estará refletido nas expectativas.

Isso não quer dizer que só porque esperamos que algo vai acontecer que necessariamente é isso que ocorre. No Brasil a expectativa de inflação para o ano de 2017 é hoje em torno de 3,3% e para 2018 é de 4,2%. Contudo, ao longo de 2016 (no gráfico abaixo) é fácil ver que a expectativa de inflação era muito mais elevada, em torno de 6% (e havia muitas incertezas políticas e econômicas no radar). A pesquisa de expectativa de inflação do Banco Central ajuda a entender como as pessoas estão avaliando o futuro e assim ajuda a decidir sobre a decisão da política de juros no país.

inflacao expectativa

Essa forma de tomar decisões também pode ser chamada de “ex-ante“. Ou seja, a decisão foi tomada antes de saber o que ia acontecer. O contraponto é o conceito de “ex-post” que sinaliza uma avaliação depois dos fatos.

A inflação em 2015 foi de 10,67% mas esperava-se uma inflação menor em 2016. Ao longo do ano a inflação efetiva (ou observada) foi caindo e as expectativas também foram incorporando as novas observações, de forma que a expectativa de alguma coisa quando você está mais próxima do evento tem mais acurácia do que quando está mais longe no tempo.  inflacao expectativa 2016

Esse é um dos motivos pelos quais há muitos erros e decisões que não parecem boas quando estamos à luz do momento, mas que lá trás não era assim tão clara a situação. Tudo isso para dizer que o BCB toma decisão ex-ante e que frequentemente avaliamos a situação ex-post e criticamos com o olhar ex-post, já conhecendo os fatos.

O fato importante aqui é que a taxa de juros ex-ante é uma variável sobre a qual as pessoas tomam decisões (para empréstimos e financiamentos de compra de carro, apartamento, investimento em fábrica ou áreas de plantação, investimento em maquinário, capital de giro, etc.). Assim, baseado na expectativa de hoje da inflação futura (E_{t}\pi_{t+1}) e na taxa de juros que vale hoje (i_{t}) é que se entende, hoje, qual é a formação da taxa de juros real (r_{t}). Em economês:

r_{t}=i_{t}- E_{t}\pi_{t+1}

 

  • Parte 3 – SELIC – O que importa o 1 dígito?

Aqui junta-se as duas partes anteriores, onde a taxa de juros SELIC é nominal (e não real) e que o BCB olha a expectativa futura de inflação e que a taxa real de juros hoje é a diferença entre essas duas coisas. Importa mesmo a taxa de juros nominal a 1 dígito?

A resposta técnica é não, mas a resposta psicológica é sim. A taxa de juros nominal e real no Brasil sempre foram altas e a taxa nominal alta tem um efeito psicológico perverso ao se confundir com a taxa real (já que muitas pessoas tem pouca clareza desses conceitos). É claro que para grandes empresas e também pequenos empresários, assim como para bancos ou pessoas físicas que estão muito presentes no mercado financeiro e antenados nas taxas que pagam/cobram essa distinção de real e nominal é crystal clear. Ainda sim, há um efeito social psicológico positivo de taxa mais baixa (aumento da confiança, por exemplo) e um efeito jornalístico também.

Para finalizar, deixo um olhar sobre a taxa de juros real ex-post (considerando inflação acumulada nos últimos 12 meses e a taxa de juros Selic dos últimos 12 meses) e ex-ante (considerando expectativas de inflação 12 meses e a taxa de juros Selic atual, sem a decisão de hoje).

expost

exante

E uma visão mais recente dos últimos anos (abaixo), que mostra que a taxa de juros real ainda é alta no país e isso sim é mais relevante para entender a leitura de um corte de 1 ponto percentual na taxa de juros Selic (do que apenas entender que cai para 1 dígito).

exante17

 

 


Respostas

  1. É, Guilherme.
    Nos últimos anos a situação piorou bastante.

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  2. Igor, desde a publicação do post pra cá muita coisa mudou e felizmente temos uma inflação bem mais baixa do que o contexto de 2017 indicava, uma Selic que ninguém esperava que estivesse tão baixa a três anos atrás. Apesar disso o cenário de investimento no país não decola. Acredito que a taxa de juros nominal a qual os bancos emprestam ainda é alta comparativamente a Selic, ainda que tenha se reduzido nos último anos. Pode parecer que a gente não piorou, mas não quer dizer também que estamos melhor, não acha?

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